Domingo 21/2/2016 – Páginas 32 e 33
Inclusão: um sonho possível?
Em cinco anos, o número de pessoas com deficiência que estão empregadas cresceu 20%. Em 2010, eram 28.752 trabalhadores e, em 2015, foram 42.021, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MPE). No entanto, a inclusão dessa parcela da população no mercado se desenvolve em passos tímidos. “O crescimento da inserção é positivo, mas ainda está muito aquém do necessário se compararmos com a quantidade de pessoas com deficiência que vivem no Brasil (45 milhões). A inserção se deu ao longo dos anos graças à conscientização sobre a importância da igualdade, à legislação, que prevê reserva de vagas para esse indivíduos tanto em empresas privadas quanto em órgãos públicos, e à fiscalizaç&a tilde;o”, comenta José Roberto Vieira, coordenador do Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais da Universidade de Brasília (UnB).
Quatro principais leis tratam desta questão no país. A primeira, de 1989, prevê reserva de mercado para este público, mas não especifica como a medida deve ser cumprida; e segunda, de 1991, regulamenta a situação no setor privado, determinando que empresas com mais de 100 trabalhadores sejam obrigadas a preencher de 2% a 5% das vagas com essa parcela da população. No caso do setor público, o assunto é definido na Lei nº 8.112/1990, que estabelece reserva de 5% a 20% das contratações em concursos para esses indivíduos. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, complementa as anteriores e pretende promover uma condição de igualdade. Apesar de existirem regras, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para que os direitos dessa minoria saiam do papel no ambiente laboral.
Segundo pesquisa de 2015 feita com 1.519 gestores e recrutadores dos setores de indústria, comércio e serviço, organizada pela consultoria Soluções em Inclusão Social (i.social), em parceria com o site de empregos Catho e a Associação Brasileira de Recursos Humanos do Brasil (ABRH), 86% dos recrutadores entrevistados contratam trabalhadores com limitações apenas para “cumprir a lei”. Teresa Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoas com Deficiência (IBDD), valida a conclusão e observa que há organizações que nem chegam a contratar, pois conseguem “escapulir” da fiscalização usando artifícios. “Muitas empresas anunciam vagas para quem tem alguma limitação apenas para mostrarem que estão cumprindo as regras. É uma forma de mostrar ao Ministério do Trabalho que estão se movimento para contratar, quando, na verdade, não levam isso a sério”, critica.
Patrícia Ávila, gerente de Trabalho da Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do Distrito Federal (Sedestmidh-DF), enxerga a crescente demanda por essa parcela da população de maneira mais otimista. “Claro que existem instituições que contratam apenas por causa da legislação, mas algumas têm admitido esses profissionais pelo valor que eles podem acrescentar à organização.”
De acordo com Carlos Guimarães, diretor de Políticas para a Pessoas com Deficiência da Coordenação de Promoção de Direitos de Pessoas com Deficiência (Promodef), existe uma incoerência entre o grande número de vagas ofertadas para esse público e a quantidade de desempregados com deficiência. “Por meio do contato com empresários, percebemos que, entre as razões que levam esses indivíduos a enfrentarem dificuldades para entrar no mercado, estão desqualificação, falta de acessibilidade e despreparo dos setores de recursos humanos para receber essas pessoas”, diz.
Resistência
O levantamento do i.Social, da Catho e da ABRH mostrou também que 67% dos selecionadores admitiram apresentar relutância em entrevistar ou contratar profissionais com limitações, e 87% acreditam ser difícil empregá-los por obstáculos como: baixa qualificação (apontado por 51% dos entrevistados), problemas de acessibilidade (44%), resistência dos gestores (39%) e inexistência de banco de currículos confiáveis (38%).
A diretora de Diversidade da ABRH Brasil, Jorgete Lemos, acredita que esses dados são importantes para motivar medidas que melhorem a entrada desses trabalhadores no mercado. “Falta rigor na fiscalização e punição para organizações que descumprem ou burlam a norma”, reclama Jorgete, que acredita que as empresas precisam aprender a enxergar as vantagens de contratar pessoas de diferentes perfis. “Por meio do emprego, é possível dar vida a alguém que está à margem da sociedade e que pode agregar potencial à empresa com suas habilidades. É preciso dar uma chance e avaliar o valor desses trabalhadores”, defende.
“O levantamento também havia sido feito em 2014, e o resultado do ano passado piorou com relação à edição anterior. Acredito que um dos motivos é a crise econômica, pois a atenção dos empresários está voltada para questões financeiras, e assuntos como a contratação de quem tem alguma limitação passam a ser menos valorizados”, observa a diretora.
Questão de estética
Um problema citado por Jorgete Lemos, da ABRH, é a preferência das empresas por determinados tipos de deficiência, o que ela define como preconceito. “As companhias costumam escolher aqueles que têm uma estética considerada boa. Isso prejudica e penaliza quem manca ou tem cegueira, por exemplo”, lamenta. Nascida em Sobradinho, a moradora de Planaltina (GO) Claudete de Senna Nascimento, 45 anos, é uma das vítimas desse contexto. Ela tem sequelas de poliomelite e usa muleta desde os 9 anos. Mesmo com experiência em organizações, como Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e Tribunal Regional Federal (TRF) como terceirizada, ela procura emprego há dois anos na área administrativa, como recepcionista ou operadora de telemarketing, sem sucesso.
“Algumas empresas preferem uma pessoa com deficiência leve ou chegam a contratar temporariamente e depois demitem”, afirma.
Desafios
“O MPT (Ministério Público do Trabalho) cobra que empresas de todo o Brasil cumpram as leis que estabelecem cotas por meio da fiscalização, de campanhas conscientizadoras e da elaboração de políticas públicas. No entanto, a realidade organizacional, muitas vezes, dificulta a contratação dessas pessoas e faz com que esses indivíduos acabem ficando escondidos, pois quem contrata ou trabalha junto não sabe lidar com a situação”, observa Sandoval Alves da Silva, procurador do MPT. À frente da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), ele acredita que, para que não exista discriminação, é preciso que profissionais e empregadores aprendam a lidar com as limitações de cada um por meio de uma convivê ;ncia igualitária, mostrando a todos que uma pessoa com deficiência pode trabalhar como qualquer outra. De acordo com Sandoval, entre as irregularidades mais flagradas pelo MPT, estão a falta de acessibilidade, como ambientes com péssima estrutura, elevadores sem comunicação auditiva ou números em braile.
Exemplo de inserção
Funcionário da empresa de recuperação de créditos Cobrafix, Davi Samuel de Lima, 34 anos, tem paralisia estática e usa bengala há 12. No fim de 2015, foi contratado pela reserva de vagas para deficientes como atendente presencial. “Entreguei meu currículo, participei de uma entrevista e, depois de 10 dias, fui chamado”, lembra. Com dificuldades para chegar ao local de trabalho, no Setor Bancário Norte, devido à falta de acessibilidade, o morador do Guará foi remanejado para uma unidade em Taguatinga que tem melhor acesso. Ele fez curso técnico em informática, concluiu uma capacitação focada no atendimento ao cliente no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e trabalha desde os 16 anos.
Em organizações dos ramos educacionais, de teleatendimento e de construção pelas quais passou enfrentou situações de preconceito enquanto trabalhava ou enquanto tentava ser admitido. “Eu fiz uma entrevista no fim do ano passado em uma empresa de telemarketing, conversei com a responsável pelo recrutamento tranquilamente, mas, depois que ela me viu andando, mudou a feição do rosto e não me chamou mais”, conta. “Com cotas, ficou mais fácil arranjar uma vaga, mas é difícil continuar trabalhando. Atuei em uma organização de
teleatendimento por quatro meses. Fui mandado embora e, depois, fiquei sabendo que era porque cheguei atrasado algumas vezes, mas, sempre que ocorria o mesmo com outros funcionários, ninguém fazia nada. Seis meses depois da demissão, ligaram oferecendo meu emprego de volta, mas acabei não aceitando.”
A analista de Recurso Humanos Daniele Maria Chules foi responsável por selecionar Davi Samuel na Cobrafix. De acordo com ela, o processo de contratação específico para pessoas com deficiência ocorre há dois anos devido ao crescimento da empresa. “Achamos os candidatos por meio de indicações, pela divulgação das vagas em sites de seleção e buscando em associações, sindicatos e entidades que apoiam esse público. Até o momento, admitimos sete profissionais”, explica. “A inserção deles não é uma questão apenas de legalidade, mas de responsabilidade social”, opina. Para Daniele, o principal desafio é a barreira social. “O preconceito precisa ser discutido para gerar o entendimento de que todos devem colaborar e contribuir com a formação do profissional. Para que a inclus&a tilde;o seja completa, é preciso investir na adequação dos espaços físicos e reduzir as dificuldades de acesso ao transporte público e de locomoção nas vias.”